Na esperança de compreender por que a costura do universo parece estar se desprendendo, um jovem astrônomo e seus colegas embarcaram em uma das jornadas mais antigas da cosmologia - medir a velocidade da expansão do universo, seu tamanho e sua idade.
Essa informação está codificada no valor de um número esquivo, conhecido como constante de Hubble, que entretém astrônomos há quase três quartos de século.
"É o número mais fundamental da cosmologia", disse Adam Riess, 38, astrônomo do Instituto Científico do Telescópio Espacial e da Universidade Johns Hopkins, e um dos descobridores, há 10 anos, de que um tipo de "energia escura" estava acelerando a expansão do universo.
Nesta primavera americana, Riess anunciou que ele e seu colega Lucas Macri da Universidade do Texas haviam usado o Telescópio Espacial Hubble para realizar a mais nova e precisa medição desse parâmetro, fato que chamou de "triunfo da metrologia."
Expressa nos termos singulares que os astrônomos adoram, a constante de Hubble, relata Riess, é de 74 km por segundo por megaparesc. Isso significa que a cada milhão adicional de parsecs (cerca de 3,36 milhões de anos-luz) que uma galáxia se distancia de nós, ela acelera 74 km por segundo.
A novidade não é o valor de Riess, que corrobora em geral o resultado da equipe do telescópio espacial anterior, liderada por Wendy Freedman, diretora dos Observatórios Carnegie, e que baseou seus cálculos em medições da radiação residual supostamente liberada pelo Big Bang. O que é inédito é a precisão com que o grupo afirma ter calculado o valor: uma incerteza de apenas 4,3%.
Há apenas 30 anos, astrônomos renomados não conseguiam chegar a um acordo quanto ao valor da constante de Hubble, cuja discrepância chegava ao dobro, deixando todos os outros parâmetros da cosmologia incertos pela mesma discrepância e sendo alvos de chacota dos outros campos da ciência.
Mas esta é considerada a era da cosmologia precisa. "Não estou dizendo que vamos chegar a 1%," disse Riess, "mas talvez cheguemos."
O anúncio de Riess foi considerado um início promissor por astrônomos e cosmólogos preocupados com o futuro do universo e da física. Saber o valor preciso da taxa de expansão do universo, explicam, é a chave para compreender a energia escura. Quanto mais preciso for o valor da constante de Hubble, maior será a precisão na determinação das propriedades dessa força enigmática, quase cinematográfica.
"Acho que o trabalho de Adam é bom," disse Freedman, que liderou os esforços com o telescópio espacial para medir a constante. Mas ela e outros acrescentaram que algumas partes do esquema de Riess podem ser vulneráveis a certos tipos de erros sistemáticos, que levaram gerações anteriores de astrônomos a controvérsias - a influência da poeira e da química galáctica, por exemplo, no brilho de estrelas distantes.
Por e-mail, John Huchra, do Centro de Astrofísica Harvard-Smithsonian, escreveu, "sabemos de vários bichos-papões."
O que está em jogo não é apenas a energia escura. Cosmólogos desejam saber se o chamado modelo padronizado do universo faz sentido. O universo tem de fato 13,7 bilhões de anos, está cheio de matéria escura e de energia escura e salpicado de galáxias que cresceram pela gravidade de flutuações microscópicas aleatórias no Big Bang?
Esse universo é descrito matematicamente por meia dúzia de parâmetros fundamentais, a partir dos quais a constante de Hubble é calculada. Mas para testar o modelo em "um nível fisicamente interessante," nas palavras de Huchra, a constante de Hubble, assim como outros parâmetros, precisa ser de fato medida com o máximo de exatidão.
Tanto o telescópio quanto a "constante" carregam o nome de Edwin Hubble, astrônomo do Monte Wilson que descobriu em 1929 que o universo estava em expansão. Esse parâmetro não é de fato uma constante. No transcorrer do tempo cósmico, a gravidade tenta desacelerar a expansão, enquanto a energia escura tenta acelerá-la, como astrônomos surpreendentemente descobriram há 10 anos.
A história da constante de Hubble viu muitos inícios promissores que logo afundaram com as dificuldades em estimar as distâncias precisas daquelas luzes embaçadas e turvas no céu, ou seja, galáxias.
O telescópio Hale de 200 polegadas, inaugurado em 1948 no Monte Palomar, Califórnia, e o Telescópio Espacial Hubble, lançado 42 anos depois, deveriam resolver o problema.
Allan Sandage, também dos Observatórios Carnegie, que herdou o universo após a morte de Hubble em 1953 e se dedica à medição da constante de Hubble desde então, costuma dizer que a astronomia é uma ciência impossível. "É maravilhoso conseguir uma distância," disse uma vez, "porque é quase impossível acreditar que você possa fazer isso."
Os astrônomos fazem triangulações para determinar a distância das estrelas mais próximas, observando como elas mudam em relação às estrelas ao fundo e enquanto a Terra gira em sua órbita ao redor do Sol. Mas para medir distâncias maiores, eles precisam encontrar as chamadas velas padrão. Elas são estrelas ou outros objetos cujas luminosidades intrínsecas são conhecidas, o que permite inferir suas distâncias a partir de seu brilho aparente.
Entre as velas mais confiáveis estão as cefeidas, estrelas pulsantes que brilham e se extinguem em um padrão definido. Quanto mais brilhantes elas são, mais longo é seu ciclo. Assim, essa estrela cintilando em uma galáxia distante fornece sua luminosidade e distância.
Infelizmente, as mais brilhantes velas, e portanto as mais úteis, são também as mais raras e difíceis de encontrar.
Por isso, os navegantes do cosmos precisam avançar em direção a elas por meio de uma "escala de distância," calibrando as estrelas próximas e as usando como medida para calibrar as mais brilhantes, raras e distantes "velas padrão". As velas padrão preferidas de muitos astrônomos são estrelas explosivas, conhecidas como supernovas do Tipo 1a, brilhantes o suficiente para serem vistas do outro lado do universo.
Mas à medida que os astrônomos avançam nas calibragens a partir das estrelas mais próximas, pequenos erros nos ajustes se multiplicam e a distância de suas velas fica mais incerta.
De acordo com uma compilação recente de Huchra, mais de 500 valores da constante de Hubble já foram publicados. Os astrônomos estão agora perto de chegar a um acordo.
No últimos anos, as duas principais equipes que calculavam a constante com o telescópio Hubble, uma liderada por Freedman e a outra por Sandage, chegaram a respostas com 15% de diferença, 70 e 62, respectivamente, com margens de erro de 10% que acabam criando uma pequena sobreposição.
E as coisas poderiam ter parado por aí, disse Riess. Poucos americanos perdem o sono esperando saber a taxa de expansão do universo com uma precisão de 1%. Para a maioria das pessoas, saber que o universo está se expandindo já é perturbador o suficiente. E a energia escura só piora a situação.
Não são poucos os físicos e astrônomos que perdem o sono especulando se a energia escura impulsionando esse comportamento é um fator de correção que Einstein inventou em 1917 para manter o universo estático, que foi descartado mais tarde.
Riess compara as diferentes formas de observação cosmológica que criam o modelo cosmológico padrão aos raios de uma roda de bicicleta. Para mirar na energia escura, "precisamos circular em volta da roda calibrando os raios," ele disse.
Há dois anos, Riess percebeu que um dos raios mais fáceis de se calibrar era a constante de Hubble. Em um cálculo típico, por exemplo, a incerteza da constante de Hubble se traduz em duas vezes mais incerteza na medida do vigor da energia escura. Então diminuir a incerteza da Hubble é um grande avanço para a melhora das estimativas da energia escura.
Todas as medições da constante de Hubble sofreram com o fato de haver divisões demais na escala de distância, e portanto mais chances de erro, Riess disse.
Medir a constante de Hubble dessa forma, disse, é como medir um quarto com uma régua. Todas as vezes que você pega a régua e a coloca novamente para continuar, você está sujeito a erros. "O que você precisa é de uma fita métrica," disse.
A fita métrica de Riess é o Telescópio Espacial Hubble, e seu instrumento de trabalho, a Câmera Avançada de Pesquisas. A dupla pode encontrar e medir as valiosas cefeidas em distâncias muito maiores que outros telescópios, disse, e assim, pular várias calibragens intermediárias com suas chances de erro.
"Dados e técnicas melhores vêm com o tempo, quer queira quer não," Riess disse por e-mail. "Quero deixar claro que a constante de Hubble pode ser medida com melhor precisão que no passado e não deve ser mais controversa do que qualquer outro parâmetro físico que medimos."
A escala de distância de Riess tem apenas três divisões e um telescópio, saltando das vizinhanças da Via Láctea para explosões de supernova a bilhões de anos-luz.
Ela começa com uma galáxia chamada NGC 4258 (conhecida como Messier 106 na Ursa Maior), onde astrônomos encontraram nuvens emitindo ondas de rádio na freqüência característica do vapor d'água circulante no centro da galáxia, e com as importantes cefeidas.
Em 1999, ao monitorar as velocidades e o movimento pelo espaço dessas nuvens com observações de rádio de alta-resolução, a equipe liderada por James Hernstein no Observatório Nacional de Radioastronomia, em Socorro, Novo México, determinou sua distância em 23,5 milhões de anos-luz.
Essa informação permitiu a Riess e sua equipe calibrar as cefeidas, que foram depois usadas para calibrar as supernovas.
Muitos astrônomos disseram que era preocupante o fato da calibragem das cefeídas de Riess, e portanto toda sua escala de distância, depender de apenas aquela galáxia. Seria desejável, disseram, ter distâncias precisas de mais galáxias, que é o que planeja Jim Braatz, do Observatório Nacional de Radioastronomia, na Virgínia.
Enquanto isso, como técnica reserva de calibragem das cefeidas, Riess e seus colegas utilizam os confiáveis sensores de orientação do Hubble, que ajudam o telescópio a encontrar e rastrear estrelas, para triangular as distâncias das cefeidas em nossa galáxia. Os resultados para a constante de Hubble são os mesmos, disse.
Portanto, a jornada de Riess pela trilha do Hubble está apenas começando. Os resultados provavelmente vão ficar "um bocado melhores" nos próximos meses, disse.
Astronautas vão tentar reparar a câmera avançada, que quebrou no ano passado, durante a transmissão final do Hubble em outubro. Se tiverem sucesso, Riess e sua equipe poderão usar a câmera para ampliar sua busca por supernovas e cefeidas.
No outro extremo da escala, novas pesquisas com telescópio, incluindo o Pan-STARRS (sigla em inglês para Telescópio de Pesquisa Panorâmica e Sistema de Resposta Rápida), cujo protótipo está em operação no topo do Haleakala, em Maui, no Havaí, devem encontrar milhares de supernovas distantes no espaço, aumentando consideravelmente a precisão das medições da energia escura e da problemática constante de Hubble.
Nunca será "oba, acertamos a constante," Riess disse. "É uma missão da humanidade: estar sempre à sua procura. Sempre buscamos por informações mais precisas."
Sem mostrar que sentia o peso da história, disse, "estamos só começando."
Fonte: Terra
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